quarta-feira, 22 de agosto de 2018

O Vencedor - Capítulo 21

O Vencedor 

Capítulo 21

Você, que resolveu acompanhar minha história, muito provavelmente está me chamando de puta pra baixo, agora. Não tiro sua razão, mas em minha defesa quero dizer que sofrer de amor e ou doença disfarçada de amor não é coisa fácil, viu. Rasga a gente em muitas direções e a carência chega tão densa que qualquer oferta de afeto é muito bem-vinda.  

Ademais, gostaria de pedir que guarde para mais tarde os xingamentos que tem pra mim. Você não gostará de tê-los desperdiçado com coisa tão pouca.  

E em vez de ficar me justificando, melhor eu seguir de onde parei.  

Cuspi a porra do segundo cara e, talvez, ainda uns vestígios da do primeiro. Me sentei esperando, vegetal, de olhar perdido, vidrado no nada, só deixando o tempo escorrer. 

Me mexi apenas para pegar um Dramin na mala. Não ia aguentar a agonia de ver a viagem passando na minha frente e eu ali sem poder fazer nada pra adiantar a chegada. Me mexi de novo, é claro, mas só quando a vozinha me indicava que era hora de embarcar.  

Queria estar logo em casa e sentir o ar de Maurício. Eu estava afogando. Queria dar fim aquele silêncio de uma vez, me humilhar de novo pelo que fosse da atenção dele. Maurício não ia ter como me ignorar em carne e osso em sua frente. Bem, Willoughby ignorou Marianne quando acabaram se encontrando e, apesar de tê-la olhado, o fez apenas por ter sido surpreendido por seu nome tão estridentemente chamado.  

Pelo menos isso eu o obrigaria a fazer. Aparecer na porta de seu quarto, abri-la num rompante, e vociferando “Maurício” e ia perguntar quem ele pensava que era, se tinha ficado maluco de vez ou o quê. Isso, no mínimo, ia fazer com que me olhasse. Ia destitui-lo de sua glória por um instante nem que fosse só mesmo pra que percebesse a inconveniência da minha humilhação insistente 

Não podia deixar de alimentar a esperança de que, talvez, me vendo, ele não resistisse e achasse de me usar que fosse. Vai ver se eu ligasse pra ele, se ele me atendesse, ficaria nervoso ao saber que eu estava chegando e que ninguém ia me buscar. Podia ser que seu sentimento de posse o fizesse levantar de pronto e ir me buscar, ainda que todo altivo e silencioso, me humilhando o quanto pudesse, mas não ia aguentar me deixar dando sopa pelo Galeão.  

Dormi no voo, grogue e exausto que estava. Dormi e acordei muitas vezes. Além de sentir frio e tormenta (apesar da tranquilidade do voo), fui invadido por sonhos sem nexo, chatos, arrastados. Mas antes que eu me desse conta, estava desembarcando sob efeito de um cafezinho que pedi a aeromoça na saída.   

Minha respiração acelerava e começava a falhar. Eu me sentia quente e meu coração, desesperado, batia muito mais que o necessário, muito, muito em vão, pra dizer a verdade.  
Liguei pra ele. Desligado ou fora da área de cobertura. Liguei, duas, três, sete vezes. Desligado, desligado, deligado, fora da área. Desligado ou fora da área de cobertura em todas as sete.  O que havia com esse cara?  

Puxei minha mala pra fora do aeroporto e tomei um táxi desses que ficam esperando ali. O taxista, que não era de se jogar fora, se insinuou pra mim durante toda a viagem, mas eu me achava obstinado demais a ver Maurício que nem me daria a nenhum tipo de desvio. Continuei na minha, no banco de trás, fingindo lerdeza.  

Quase duas da manhã quando passei a chave no portão. Os olhos diligentes procuraram logo pelo carro de Maurício. Estava lá. Ufa! Estacionado no canto, como quem vai indo pra cozinha. Segui o carro e entrei pelos fundos, larguei a mala ali mesmo ao lado da porta e não perdi tempo.  

Nem senti os degraus da escada, acho que os subi de dois em dois, de três em três; cheguei ao topo um tanto esbaforido, taquei a mão na maçaneta de sua porta e abri para o embrulho desagradável que se fez dono do meu estômago.  

A cama estava vazia. O quarto, o banheiro, até os armários, tudo vazio. Maurício em lugar nenhum, suas coisas também não. Sobrando de debaixo da cama, a ponta azul de nylon de um short no qual minha cara já tinha sido esfregada com Maurício dentro. Tinha manchas de ejaculações guardadas sem banho e mijos alguns. 

Na escrivaninha dele, jazia o celular pra o qual eu tanto tinha enviado mensagens, tanto tinha ligado. Ali. Morto, abandonado. Um ato simbólico e bastante claro. O único meio que eu tinha pra falar com ele, ali, largado, como eu, largado.  

Deitei na cama dele com o short nas mãos e, obviamente, no rosto em seguida, me esfregando nele como se Maurício o usasse ainda. Sentindo seus cheiros, quase podia sentir seus gostos. Fiquei ali amargando, mas como que respirando ar puro: mijo de Maurício, sua virilidade.  

Não teria voltado pra Búzios levando todas as suas roupas. Onde estava ele? Será que tinha se cansado da mãe e se mudado? Se mudado tinha, era óbvio, ninguém leva os pertences todos se pretende voltar em breve... Mas onde?  

Talvez, na porta de entrada agora mesmo. Eu não tinha ouvido nada até que a porta se abriu e fez-se um estardalhaço. Me desesperei em direção à sala. O sangue me corria como se disputasse uma competição de 100 metro rasos. Eu ignorava a ausência das roupas, o abandono do celular, ou o carro parado no quintal. Não queria me ater a isso, ou nenhuma esperança se manteria de pé em mim. Assim como de pé Sônia não conseguia ficar direito. 

A mulher estava bêbada, caindo outra vez, se segurava no portal da porta, mas não tinha muito sucesso nisso.  

“Vocês voltaram.” Sorriu largo como que aliviada.  

“Não. Só eu voltei. Minha mãe ficou lá mais um pouco.” 

“Ah, entendi. Entendi.”  

“Quer uma ajuda aí?”  

“Sempre tão doce. Sempre tão doce.” E me estendeu a mão pra que eu a ajudasse.  

A coloquei na cama e tirei-lhe os brincos, os anéis e Monolo Blanik de seus pés.  

“Sônia, Maurício não tá em casa?”  

“Aquele cretino? Não.” Ela tonteou e achei que ia apagar a qualquer momento, mas ela voltou a falar: “No dia que vocês foram, a gente discutiu feio, AbelEle é um cretino. Aquele ingrato me disse poucas e boas e foi embora.”  

“Pra onde?”  

“Pra onde mais? Deve estar tomando vinho nas cochas de alguma puta parisiense agora.” E gargalhou ignorante de que escarnecia da desgraça do próximo. 

“Oi? Maurício voltou pra França?”  

“Voltou. Não é um nojento? Eu vou deserdar ele. Você vai herdar tudo, meu doce Abel.” E balbuciou mais um tanto até que, enfim, apagou. 

Eu desci desnorteado. Sentia o sangue formigando no corpo todo. Entrei no nosso banheiro e me sentei no vaso.  

Fechei os punhos com força, as unhas se cravavam nas palmas e eu gritava pra dentro, como se sugasse o grito, um som que me doí só de lembrar. Me assusta.  

Paris.  

Demoníaco.  

Endiabrado, só podia!  

Que cruel, Maurício. Que cruel! Eu não tinha feito nada. Não antes dele começar a agir como se eu não existisse. Sabia que me feria, que me alquebrava, por isso estava longe. Longe pra que quando eu chegasse só tivesse sua ausência. Longe, porque sabia que eu viria na toda para vê-lo. Longe, pra se deleitar imaginando a desesperação no meu rosto à sua cama vazia, à sua distância indiferente.  

A minha cabeça rodava, os olhos escureciam, só dava conta de que me escorregava para o chão.  

Acordei todo torto e doído no piso frio do banheiro. Tudo me doía, principalmente as palmas das mãos cheias de chagas. Levantei com dificuldade sem ousar me esquecer do nome que dar a cada dor que fazia ranger o meu corpo: Maurício era o nome de todas elas.  
O espelho me assaltou de surpresa.  

“E vai deixar?” Abel me perguntava, descabelado e oco. “Vai continuar deixando? Anda. Vai fazer sua matrícula!”  

Tomei banho sem mover meus olhos. Eu era todo feito de raiva, ódio e de um vazio absoluto.  

Parei nu no espelho.  

“Pois bem.” Eu disse decidido. ““Tudo isso””, como ele mesmo tinha dito, “não vai ficar pendurado na estante esperando que ele chegue pra ver e dar sentido. 

Tinha tanta gente por aí. Tanta gente que me olhava e ficava logo de pau duro. Os homens me cobiçavam, eu é que era tonto demais, ou focado demais numa só direção, que não os via.  

“Eu deixo muito marmanjo doido no Rio de Janeiro.” 

“Na garagem, na cantina, atrás do tanque, no mato...” Geni que eu me faria.  

Eu ia estudar na ECO, na Praia Vermelha, mas a inscrição em disciplinas era feita no campus do Fundão. Peguei um ônibus, estava bem vazio, com a exceção de um garoto moreno, pouca coisa mais velho que eu.  

Ele mudou de lugar quando eu sentei. Sentou-se no banco ao lado do meu, do outro lado do corredor. Ele ficava me olhando inquieto e eu já era capaz de reconhecer a natureza daquela inquietude. Ficava apertando o pau nervosamente e me encarando. Uma senhora entrou no ônibus e sentou bem perto de nós. Tudo o que me restava fazer era ficar olhando e querendo.  

Quando íamos chegando à Ilha do Fundão, o garoto, desapontado, se levantou e puxou a cigarra. Me levantei em seguida, afinal, era pra onde eu estava indo.  

“Você estuda aqui?” Ele perguntou logo que saltamos.  

“Bem, vou estudar.”  

“Ah, veio fazer a matrícula?”  

“É.”  

“Eu também. Vai fazer o quê?”  

“Comunicação. E você?”  

“Física.”  

“Cruzes.” E nós rimos. 

“Júlio.” Ele disse estendendo a mão.  

“Abel.” Dei-lhe minha mãe pra que apertasse, mas ele a virou e a levou até a boca, deixando um beijo no dorso.  

“Prazer.”  

“Igualmente.” Eu sorri cheio de fogo. 

A fila de gente que tinha deixado tudo pra última hora estava enorme, mas Júlio se tinha posto atrás de mim e me esfregava a rola dura sempre que possível. O tempo todo sussurrando safadezas em meu ouvido e respirando na minha nuca. Eu estava em brasa. Queria que aquele garoto arriasse meu short e me fodesse ali mesmo na frente de todo mundo. Que se danasse.  

Júlio e eu, e mais uns outros três, entramos juntos. Cada um foi para a mesa de um dos secretários e quase juntos acabamos. Apresentei meus documentos (com a exceção do Certificado de Reservista, que eu ainda não tinha idade pra ter) e me inscrevi em todas as matérias do primeiro período, eram sete ao todo.  

“Vem comigo.” Júlio disse e eu o segui.  

“Você conhece aqui?”  

“Já vim em algumas festas. Sei onde a gente pode ir.”  

Fomos para os fundos do prédio, lá atrás, longe, onde o mato convidava.  

“No mato?” Perguntei.  

“É. No matinho é bom.”  

Havia camisinhas jogadas pelo chão, num ponto e outro, papel higiênico sujo, cápsulas de cocaína descartadas, pontas de cigarro, pontas de maconha, garrafas e latas de bebida. 

Júlio tirou uma camisa da mochila e a forrou no chão em frente a si.  

“Abaixa aqui.” Mandou e eu, como era de se esperar, obedeci.  

Ele abriu a bermuda e pulou pra fora um pau não tão grande, mas bem grossinho, bonitinho, mas depilado. Por sorte, começava a crescer de novo.  

O chupei com gosto e vontade, o sugava como se daquele pau viesse a vida de que eu precisava.  

“Sabia que você chupava gostoso.” Ele dizia enquanto tratava minha cabeça como se trata uma bola de basquete.  

Eu simplesmente adorava que me puxassem assim, que me fizessem ir e vir de acordo com as vontades de seu desejo.  

“Quero meter no cuzinho.”  

“Tem camisinha?” Se eu ia ser puta, que fosse, pelo menos, esperta 

“Tenho. Claro.” Parecendo um pouco decepcionado.  

Eu continuei ajoelhado na camisa dele e apoiei mãos no chão, de quatro, feito a boa cadela que eu era. Júlio arriou meu short e cuspiu direto no meu cu. Afobado e pouco experiente, me enfiou a rola grossa de uma vez queimando minhas pregas.  

Quando eu ia começando a me acostumar e sentir prazer, sua respiração anunciou seu gozo precoce.  

Chegamos a trocar telefone, mas nunca fizemos contanto.  

Na França. Demônio. Filho de Satã!  

Voltei pra casa ainda mais vazio do que estava quando saí, ainda mais vazio do que estava antes de me embrenhar pelo mato da UFRJ com Júlio (se é que me lembro de seu nome corretamente).  

Não que eu estivesse atento a isso à época. Demorou um pouquinho pra que eu entendesse que ao invés de preencher o vazio, transar com desconhecidos que cruzavam meu caminho só trazia um monte mais de vazio me devorando o que ainda havia de mim. Espera, posso reformular com mais sinceridade 

Demorou um pouquinho pra eu parar de mentir pra mim e admitir que nada daquilo me preenchia. Porque perceber, eu já tinha percebido desde Fernando e até mesmo de Maurício - quando enxerguei que mesmo estando com ele, nada era garantia, nada era certeza. Só havia vazio e a gastura dos medos.  

Mas eu fingia. Fingia que estava no controle, que tinha algum poder de escolha, que fazia o que eu queria, que era livre.  

E como me fiz livre! Usei e abusei da liberdade que abusava de mim. Dei. Feito a velha expressão do chuchu na serra, eu dei. Luzia atrás da horta. Surfistinha distribuidora.  

Não sei se por causa dos demônios que eu ia angariando em cada canto em que deitava (ou me dava em pé mesmo) ou por causa desse meu ar de ninfa ninfeta, mas os homens andavam descontrolados quando me punham os olhos. Eles chupavam os dentes, assobiavam, lançavam elogios quando eu passava, me pegavam pelo braço, pela cintura, pela bunda. E eu não reclamava. Tá pensando o quê?  

Se era meu corpo, minhas regras, a regra geral era que fizessem bom uso do meu corpo rejeitado, que simplesmente chegassem e dissessem ou demonstrassem que queriam. Eu, de domínio público, não rejeitei nenhum homem que me quis.  

Criei um perfil no Grindr e até cheguei a ter dois encontros provenientes de lá, mas não tive muito mais sucesso. Eu era de pouca valia ali. Os perfis anunciavam não quererem os efeminados. Entendo. Bicha não gosta de mulher, isso é óbvio. Além do mais, tudo se dava com muita enrolação naquele app, tudo muito pra depois. Todo mundo cozinhando todo mundo na expectativa de encontrar algo melhor e mantendo o que não queria na reserva pro caso de não ter a sorte.  

Eu não tinha tempo pra aquilo. Precisava do imediato. Ardia em mim uma urgência colossal e ela me punha pra fora de casa, dia ou noite, pra uma volta pelo bairro, um certo turismo sexual, um passeio a colher frutos no bosque.  

E se as bichas me rejeitavam pelo meu jeito, os homens na rua, ou onde quer que eu fosse – homens que não tinham perfis em aplicativos de pegação, que procuravam exatamente os efeminados, esses homens me queriam descontroladamente.  

Eu era feito chupar nos cantos, nos carros e onde mais houvesse a chance. Era fodido em camas, em pé, em becos, estacionamentos, motéis baratos, motéis limpos e até hotéis cinco estrelas. Onde o sujeito me dizia que ir, pra onde quer me arrastasse. Eu ia. Ia com altos e baixos, gordos e magros, velhos, jovens, menores como eu, negros, brancos, pardos e gringos, cafuçús, pastores, cracudo e mendigos. Bastava que me quisesse. Era o único requisito.  

Um festival de picas pra todos os gostos; cheiros e sensações das mais variadas. Alguns deixaram saudade e me fizeram pensar neles mais vezes, outros eu rezava pra que gozassem logo. Conheci muitos homens, mas nenhum deles eu conheci.  

Ah, quanto saco eu chupei. Quanta rola me entrou. Quanta porra eu senti vazar pelo canto da boca.  

Dos que me queriam, só não fiz mesmo aqueles que não podiam, que tinham pressa, que partiam, que não tinham onde. Fora isso, não deixei ninguém de fora. Meu corpo era uma festa em que se podia entrar sem convite.  

Descobri um verdadeiro submundo. Um universo paralelo bem ali na mesma dimensão em que eu antes estava e não enxergava porque não queria ou não sabia ver. A cidade do Rio transpirava sexo. Os olhares, as expressões taradas, o nervosismo que era mais fácil vir abrandar comigo, com as bichas todas, corpos mais licenciosos, mais garantidos, mais permissivos do que os das mulheres.  

Nenhum deles me fez mal físico, nenhum foi grosseiro ou cruel, mas também não foram sempre amáveis e carinhosos. Me usavam. Alguns, muito felizes, e até incrédulos da sorte de possuírem carne tão novinha e de primeira (com o perdão da arrogância), me tratavam feito uma princesa. Vinham de baby talk, de amorzinho isso, minha lindinha aquilo e queriam mais, me queriam pra sempre. E eu cuidava de trocar os dois últimos números do meu telefone pra que nunca mais me achassem.  

Eu queria os vários, aos milhões e nada que se repetisse. Nada que ficasse chato. Repetido, eu só queria Maurício. Eu tinha um direito de escolha. Mas como ele não me escolhia, eu tinha um mundo inteiro com que experimentar o novo o tempo todo.  

Fosse eu sua princesa, ou sua puta, era sempre no feminino que me tratavam todos eles que chegavam a falar. Não era pra menos. Eu estava cada dia mais menina. Era isso que os deixava loucos, me querendo: um menino de dezessete anos ainda, magrinho, de cabelo grande, unhas crescidas, roupas femininas e falando fino, desmunhecando, rebolando e gesticulando. Era a lei da oferta e da procura.  

Não pense você que muito tempo se passou entre o dia em que me inscrevi na faculdade e todos esses homens. Não. Os fiz, todos, no espaço de duas semanas que tinha antes de minhas aulas começarem. Houve dias em que dei pra dois, cinco, três. O recorde foi nove num mesmo dia. Era tão fácil. Acho que eles gostavam do cheiro de outro homem em mim. Só pode. Quando vinha de um, os outros pareciam ainda mais loucos ao passar por mim e como eu já disse, eu não negava nenhum que me quisesse. Era como um dever. Botava a camisinha e dava mesmo.  

Minha mãe ligava regularmente pra saber como eu estava, mas não fazia ideia do que eu andava fazendo. Confiava no juízo do filho que tinha e não se preocupava em me deixar solto como eu estava. Minha avó tinha piorado de novo e ela disse que não viria tão cedo, ia emendar nas férias dela. 

As férias dos empregados de Sônia se davam em fevereiro, quando a patroa viajava. Todos os anos, a mesma coisa. E embora andasse deprimida mais que o normal, Sônia iniciou os preparativos pro seu tour anual pela Europa. Os empregados eram todos liberados pelo tempo que durasse sua viagem. Só havia mesmo a Roseli. Uma faxineira que só aparecia durante as férias dos outros e só uma vez por semana pra que a casa não parecesse abandonada.  

Em quase todas as vezes em que minha mãe ligava, Natã pedia pra falar comigo. Ele estava seguindo à risca a lista dos filmes que eu deixei pra ele, dizia que via dois, três, cinco, num mesmo dia, como eu fazia com os homens. Falar com ele, tão parecido comigo, tão inocente, parecido com quem eu já tinha sido, era um bálsamo. Um contraste muito grande com tudo o que eu estava vivendo. Eu sentia que tinha de protegê-lo disso tudo, algo me dizia que, em algum tempo, seria ele mesmo deixando sua inocência escoar pelo ralo a troco de anestésicos.  

Bem, na noite que antecedia meu primeiro dia de aula, fui despachar Sônia no aeroporto. Seu João tinha sido dispensado naquele mesmo dia mais cedo e acabamos indo de táxi. As malas dela ocuparam o porta malas e um pouco do banco de trás com ela. Eu ia no carona, sentindo a mão do taxista relar minha coxa sempre que ele passava a marcha. Um clássico. Ele era um gato, trinta anos no máximo, homem feito, coisa linda. Eu podia lambê-lo todo. 

“O senhor vai estar por perto?” Perguntei quando saltávamos. “Eu vou voltar pra casa.”  

“Senhor tá no céu.” Ele sorriu. “Aqui. Me liga quando estiver indo. Eu te pego.” Me deu seu cartão. 

“Fechado.”  

Uma vez que estava tudo acertado, Sônia quis jantar. Nos sentamos num bistrô e ela foi ao banheiro. O celular dela ficou na mesa e me estalou uma ideia que ainda não tinha passado pela minha cabeça. Eu sabia todas as suas senhas, de cartões e de aparelhos. Era só entrar na agenda e descobrir o número novo do Satanás. Talvez teria sido mais fácil só pedir, mas eu não queria despertar o raciocínio de Sônia.  

E lá estava: Maurício. Salvei rapidamente no meu celular e devolvi o dela à mesma posição de antes.  

“Olha, se comporta, hein.” Ela disse rica e deslumbrada, me abraçando. “Ah, não se comporta não. Só se é jovem uma vez. Espera.” Começou a mexer na bolsa que levaria no voo. “Toma. Se você precisar de alguma coisa.”  

Era o mesmo cartão de débito que ela tinha deixado comigo pra comprar roupas.  

“Valeu.” 

“Se não precisar também. Pode gastar. Você merece.”  

“Obrigado mesmo.”  

E ela partiu. Muito provavelmente, ia encontrar o filho em algum momento da viagem, mas não havia nada que eu quisesse falar pra ele que pudesse passar por ela, então me despedi sem recados.  

Guardei o cartão de Sônia e tirei o do taxista.  

“Você pode me pegar agora?”  

“Toda hora.”  

Tive que esperar um pouco até que ele chegasse. Podia ter tomado outro táxi, mas queria aquele em especial, ora essa. Não tinha tido nenhum homem por todo aquele dia e minha vontade estava subindo pelas paredes.  

“Vocês são ricos mesmo.” Ele disse quando entrou na mansão.  

Eu apenas ri e deixei que ele acreditasse no que quisesse.  

“Vem. Lá em cima.”  

Subi as escadas com a mão do taxista, cujo nome não lembro, percorrendo meu corpo. Entrei no quarto de Maurício e dei na cama dele, me vingando de ninguém para ninguém ver. Eu era tão humilhado, que nem minha vingança fazia sentido.  

O homem era um insaciável. Me fodeu a noite toda e só foi embora pela manhã. E eu tinha que correr. Minha primeira aula era em uma hora.  

Corri, mas ainda assim, me atrasei. Foi que enquanto estava caminhando pro ponto de ônibus, um carro reduzia a velocidade, acompanhando meu passo na calçada. Ele abriu a janela e vi que tocava punheta descaradamente. Eu não podia negar. Tinha jurado que atenderia a todo e qualquer indivíduo portador de uma rola que me chamasse. Chupei seu pau no carro mesmo e cuspi seu leite pela janela.  

Como era um desses que se sentia sortudo de estar comigo, abusei deste poder – e da sua expectativa de um segundo encontro – e fiz com que me desse carona até a ECO. 

“Vou te ver de novo?” Me segurando pelo pulso antes de me deixar sair. 

“Claro. Anota meu número.” E errei os últimos dois dígitos como de costume.  

Continua...  


<<<Poxa. Vocês comentam tão pouco. Sem comentários, me sinto muito desestimulado a vir aqui. Parece que estou falando sozinho. Forever alone da vida. Buáááá.>>>