O Vencedor
Capítulo 10
Eu também tinha perfume caro. Sônia uma vez tinha comprado vários vidros do Flower, by Kenzo, e desde que ela enjoou, logo ainda no primeiro frasco, este se tornou o meu cheiro. O perfume dava o toque final ao meu modo delicado, assim, um tanto afeminado, de cabelos que iam até quase o ombro e a constante aparência assustada de donzela perdida no bosque. Como eu tinha dito antes, uma flor. Isso me incomodou já. Muito até. Tive raiva de como eu sou, mas os caras na rua, pareciam achar que eu estava bem assim.
Não que eles se sentassem comigo e me dissessem coisa alguma. Não. Eles assobiavam, diziam que me pegavam sem pena, que eu era mais "bonita" que muitas garotas; paravam em seu caminho e ficavam me olhando, chupando os dentes, pegando no pau... Não entendia bem o porquê. Eu não tinha, nem tenho, um corpão desses que fazem os caras pararem, não tenho bunda, nem cara de ninfeta, mas, talvez, pra quem gostasse do tipo bailarina, alta e reta, e novinha, eu oferecesse alguma promessa de prazer.
Mas eu não demonstrava gostar daquele assédio. Não porque eu fosse blazé ou porque me sentisse invadido. Eu tinha era medo do que podiam fazer caso eu desse qualquer tipo de mole e também não tinha vontade de nenhum outro homem, por mais bonito, que não fosse Maurício, mas como este se visse as voltas com sua Eliza, resolvi me dar uma chance e corresponder ao sorriso do Fernando pra ver se me livrava do Caim da minha vida.
Fernando era bem bonito. Pouco mais baixo que eu e também um pouco gordinho.
"Tava pensando que nunca mais ia ver você." Ele disse quando comecei a lhe entregar as frutas pra salada que Eliza tinha dito que queria de sobremesa pro jantar.
"Ah, eu venho sempre nesse mercado." Eu não sabia como flertar, dá pra ver né? Não tinha nenhuma experiência. Tudo o que eu sabia, nesse campo, tinha a ver com ficar à espreita esperando migalhas.
"Mas nem olha pra mim direito." Sem saber o que responder, só fiz que não com a cabeça, sorrindo, tentando fazer com que ele entendesse que estava errado. O bom era que ele era atirado. "Eu daria um braço pra sair contigo."
"Não sou tão caro assim." Ri.
"Então, posso te convidar pra sair comigo?"
"Convida."
"Tá convidado. Quando?"
"Hoje?" Eu não queria ficar em casa pra comer salada de frutas com Eliza.
"Eu saio em mais ou menos uma hora. Posso te encontrar."
"Tá bom."
"Sério?!"
"Sério."
Ele puxou o celular do bolso e salvou meu número.
Agora, estava me ligando pra saber onde me pegar. Passei pela sala de estar falando com ele ao telefone, interrompendo o filme que Maurício e sua vagina assistiam.
"Boa noite pra vocês." Saí pela sala que era pra afrontar mesmo, mas sem me atrever a olhar pra Maurício que, apenas usando os olhos, podia me mandar voltar, tirar aquela roupa e ficar no meu quarto remoendo não tê-lo.
"Boa noite." Disse Eliza.
"Divirta-se." Disse Maurício e algo em sua voz deixou claro que eu pagaria caro por aquela afronta.
Fernando já estava parado com seu carro na minha porta. Como ele tinha um carro, sendo tão novo e funcionário de um mercado, eu não sei. Mas também era um carro simples, desses que a gente vê toda hora, lotado com família e tal. Eu não sabia, e ainda não sei, o nome. Sempre fui péssimo com nomes de carro. Só sabia o de Maurício que era um Audi A4.
Só sobre esses carros lotados com família: eu às vezes me via desejando isso. Estar dentro de um carro cheio, com criança no colo e falatório de família. Eu era um pobre que vivia em uma mansão. Era como um expatriado. As coisas não se encaixavam.
"Quando me disse onde era, eu sabia que você morava bem, mas não imaginava o quanto." Fernando disse meio sem graça, encolhido diante da casa da qual eu saí.
"Ah, não." Eu, todo amável, ajustando o cinto de segurança. "Eu moro aqui, mas não sou chique nem nada. Minha mãe trabalha aqui."
"Ah, ufa." Ele riu e deu a partida. "Tava aqui pensando em pra onde eu podia levar alguém que mora nessa casa."
Falou certo. Eu moro, só. Nada disso é meu. E a gente nem precisa fazer nada caro. E além do mais eu também tenho umas moedas aqui." Eu ri e toquei o braço dele rápido como se lhe desce um tapinha. "E pra onde é que a gente tá indo?"
"Pensei em ver um filme e depois comer alguma coisa. O que acha?"
"Beleza." Eu respondi animado. Eu tinha deixado o Maurício das correntes que eu arrastava na sala com o outro de verdade e ficaria bastante feliz se quando eu voltasse, não o encontrasse lá me esperando pra me atormentar.
Ele tinha vinte e três anos, era gentil, educado, parecia muito sincero e, o mais importante, parecia gostar de mim.
Ali, no carro dele, eu me sentia diante de todo um novo mundo de interação. Até o momento, eu só tinha conhecido a linguagem do domínio e do abuso; ao ponto de chegar a achar que as relações se davam dessa maneira. O de Sônia e Armando não diferia muito disso. E que outros exemplos eu tinha além dos fantasiosos das histórias que se inventa pra encantar? Era surpreendentemente saborosa a liberdade da troca.
"Poxa. Ninfomaníaca só daqui a uma hora e vinte." Eu realmente queria ver aquele filme.
"Tem Atividade Paranormal em vinte minutos." Eu fiz uma careta. "Com medo? Eu vou tá lá."
"Own. Que bom." Reconheci o galanteio que era pra não ir apenas passando por cima. Eu tenho mais o que fazer do que ver isso. "Mas não é medo. Não me chama a atenção mesmo. Mas se não tiver outra coisa." Eu não tinha coragem pra sugerir o que estava fazendo meus olhinhos brilharem.
"Pô, agora é o que tem, ou Frozen." Let it go!
"O frio não vai mesmo me incomodar." Repeti a frase cantada que punha fim à propaganda do filme.
"Sério?"
Levantei as sobrancelhas, sorrindo, em súplica.
"Tá bom, ué. Bora." Ele riu descrente de que ia pagar pra assistir Frozen: uma aventura congelante.
Fiz a donzela imaculada o filme inteiro. Realmente, eu não queria beijar. Não queria abraçar ou tocar. Estava mais a fim de conviver um pouco. O toque eu já tinha. Queria conhecer Fernando antes de desejar dar o meu corpo pra que ele tocasse. Queria tentar algo mais que meramente físico e Fernando era bom nisso. Um doce.
Era todo bonzinho e responsável. Ajudava os pais com a escola dos irmãos mais novos. Todo príncipe com seu sorriso de covinhas que por pouco a barba não teria engolido. Conversamos e rimos bastante enquanto comíamos. Insistiu que eu não mexesse nas minhas moedas e que era tudo por conta dele, mas fez piada dizendo que da próxima vez não ia tentar e nem ter condições de me impedir.
Entramos na livraria do shopping e ele ficou me mostrando os mangás e HQ's que lia. Eu não conhecia muito desse universo, pra mim sempre foi tudo mais no clássico, talvez, atendendo a uma necessidade de compensação, não sei.
Era coisa de dez horas quando resolvemos ir embora. Ele pegou na minha mão sobre o meu colo em todas as vezes em que paramos no sinal vermelho. Eu retribuí segurando a dele. Parou o carro à porta da mansão que não era minha, troquei mais meia dúzia de palavras e "adorei sair com você" e "espero repetir", mas saí do carro antes que ele pudesse tomar coragem pra me beijar.
Eu ia digitando a senha no portão, quando ele me chamou e saiu do carro.
"Peraí." Ele disse e chegou perto, perto de mais e me colocando contra o portão de madeira da garagem me beijou sem falar nada. Surpreso, revolvi deixar e me entregar.
A boca dele tinha um gosto bom e o beijo calmo me dizia que ele não tinha nenhuma pressa pra se afastar de mim. Uma mão na minha cintura, a outra me segurando pela nuca. A minha, no ombro dele, passada por debaixo do braço, os dedos da outra, enfiados pelo cabelo curto da lateral, afagando com as pontas. E que delícia de beijo. Parecia de cinema. E o gosto da boca, que ainda aqui, contando, consigo sentir, se me concentro. Os corpos quentes um da quentura do outro. Perfeito. Do jeito que eu sempre sonhara.
Só que com Maurício protagonizando comigo. Por favor, te peço, que compreenda a crueldade do meu pensamento. O pensamento sempre se antecipa ao juízo. E já estava dado. Os hormônios que aquele beijo fez correrem pelo meu corpo, não reuniam tantos que pudessem resistir à vontade que eu tinha de Maurício. Menos ainda quando o farol do Audi A4 dele esquentava a minha cara apavorada como se o portão tivesse se transformado num paredão de fuzilamento.
Continua...
Assim eu não aguentoooo!!!
ResponderEliminarVocê é cruel..
Muá-ha-ha-ha-ha!
EliminarMais um ainda hoje, eu te suplico
ResponderEliminarNão deu.
EliminarPerdão.
Meu pai, que história maravilhosa. Mais um capítulo❤
ResponderEliminar'brigadu.
EliminarEu estou apaixonado por essa história, já me excitei, chorei e tudo mais! Não para de postar!
ResponderEliminarObrigado. O bom de compartilhar é esse: que os outros se colocam no seu lugar e sentem exatamente como você. Valeu mesmo. Não paro mais. Pode deixar.
EliminarCara, meus Deus que conto lindo, até o jeito que Abel é idiota é bonito. Ahhh sobre aquela prévia, faz isso de novo em algum capítulo futuro, fica dica.
ResponderEliminarHehehe
EliminarIdiota mesmo. rs
Sim, vou manter isso. Daqui a pouco mesmo venho um pedacinho.
Valeu.
Ai genteee, to todo vermelho de chorar aqui. Que fofo o Fernando, a delicadeza e a forma que Abel e Fernando conduziu a noite foi emocionante. Mas é claro que tinha que ter algo pra atrapalhar o encerrar da noite romântica. Amando... Ass: W.R
ResponderEliminarObrigado por acompanhar.
EliminarHistória maravilhosaaa
ResponderEliminarO ranço do Maurício é real
Parece que todo Maurício que eu conheço é um embuste completo